SETI@home

Peter Ward, paleontólogo e Donald Brownlee, astrónomo, acabam de deitar um balde de água fria sobre milhares de cidadãos do planeta Terra que esperam que, um dia, uma mensagem procedente de um ser inteligente alienígena entre num circuito científico graças ao seu computador pessoal. Estes dois investigadores da Universidade de Washington (Estados Unidos) recolheram, no seu livro Rare Earth (Terra Rara), os motivos pelos quais crêem que praticamente impossível haver, na nossa vizinhança cósmica, algo capaz de comunicar connosco.

A obra recapitula a assombrosa acumulação de acontecimentos que tiveram de produzir-se no nosso planeta para que se depositassem nele os tijolos químicos da vida, nascessem os primeiros organismos simples, estes evoluíssem para formas complexas e o ambiente agradável para que essas formas sobrevivessem.

Ward e Brownlee não duvidam de que a vida é um fenómeno mais habitual do que muitos pensam, mas advertem que ser microscópio evolua até se converter em algo capaz de comunicar connosco são muito poucas.

Para que isso se produzisse seria necessário encontrar um planeta semelhante ao nosso, com a massa apropriada para reter uma atmosfera e um oceano, com movimento tectónicos que actuassem como termostatos, á distância correcta do seu sol para a água que albergasse não gelar nem evaporar, com uma órbita estável e com companhia de um planeta gigante, do tipo Júpiter, que lhe servisse de protecção contra os impactos de objectos sólidos capazes d acabar com qualquer ser vivo. Para cúmulo, o dito planeta deveria estar numa zona da sua galáxia similar á região ocupada pela Terra na Via Láctea: nem demasiado perto do centro, onde os processos energéticos são extremos, nem demasiado distante dele, já que aí as estrelas as estrelas são muito pobres em metais e não conseguem gerar sistemas planetários em seu redor.

Existirá este planeta? Evidentemente, não temos a menor pista da sua presença, e falta muito tempo até podermos identificar, pelo menos, um bom candidato. Parece claro que, se não estamos sós, nos encontramos muito longe de uma mais provável que esta seja um punhado de seres microscópios que um sinal a informar: "Estou aqui!" Ainda assim, quase dois milhões de pessoas, repartidas por 244 países, colocaram os seus computadores pessoais á disposição do maior centro de busca extraterrestre jamais construído pelo ser humano, o projecto SETI@home, na esperança de receber aquele sinal na sal de sua casa.

Para isso, não tiveram de realizar qualquer esforço especial: descarregaram simplesmente da Internet um programa de protecção do ecrã (screensaver)que actua como correspondente do SETI, o projecto de busca de inteligência alienígena que aglutina os melhores centros de investigação do mundo. Uma vez instalado o software, o computador de qualquer cidadão do mundo passa a formar parte de uma prestigiada infra-estrutura cientifica que também inclui, por exemplo, a Planetary Society.

Procurar sinais extraterrestres é um trabalho muito duro. A quantidade de informação recebida pelo grande rádiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico, é demasiado extensa, mesmo para os gigantescos computadores utilizados pelas instituições de investigação astronómica.

Há que ter em conta que receber um sinal artificial de outro planeta pode ser milhões de vezes difícil do que encontrar uma agulha num palheiro. Para começar, os cientistas não sabem que tipo de sinal procuram. Seguindo os costumes da única fonte de tecnologia que conhecemos, o ser humano, os responsáveis pela SETI assumem que poderia tratar-se de um sinal rádio. Por isso o grande telescópio de Arecibo, precisamente para escutar emissões de rádio.

Mas á outro problema outro problema: os astrónomos não fazem qualquer ideia da parte do espectro electromagnético que será escolhida pelos supostos extraterrestres para lançar os seus sinais. Na Terra, as emissões de rádio em FM operam em megahertz, e todos podemos saber em que frequências para estações de rádio alienígenas, por isso, a única coisa que os cientistas podem fazer é tentar adivinhar.

Dado que o hidrogénio é o elemento mais abundante dos cosmos, optou-se por procurar na banda de rádiofrequência em que se detecta este gás, nos 1420 megahertz. Apesar disso, não é fácil saber para onde apontar os ouvidos, e destinguir o sinal artificial entre os milhões de dados que nos chegam do céu nessa parte do espectro.

O trabalho requer grandes doses de sorte, muito tempo (talvez mais de 50 anos ) e a maior quantidade possível de capacidade informática. E é aqui que em jogo a genial ideia dos cientistas da Universidade de Berkeley (Estados Unidos), uma das entidades colaboradas no projecto SETI: por não tentar unir todos os computadores do mundo e leva-los a trabalharem á vez, processando e filtrando os dados captados em Arecibo? Foi assim que nasceu o SETI@home, que, traduzido directamente do inglês, significaria algo como O SETI em casa.

A ideia consiste em "pedir emprestado" o computador pessoal de um cidadão quando este não esteja a usá-lo. Milhões de computadores do planeta passam imenso tempo desligados ou, o que é pior, correndo um protector de ecrã que ilumina o monitor quando ninguém está a usar o aparelho, mas ele se mantém ligado, com o gasto adicional de energia que isso supõe.

O projecto SETI@home propõe-se usar essa energia e esse tempo, segundo um mecanismo simples: toda a informação recebida pelo rádiotelescópio de Arecibo é em discos de alta densidade com uns 35 gigabytes de memória.

Como as instalações de Porto Rico não possuem uma ligação de banda larga á Internet, os dados são enviados para a Universidade de Berkeley, onde são partidos em fragmentos com 0,25 megabytes, a que os cientistas chamam "unidades de trabalho ". Estes pequenos pacotes são distribuídos através da Internet, por único servidor, para os computadores de cada um dos quase dois milhões de colaboradores anónimos e desinteressados no projecto SETI@home.

Um computador informático especial concebido para essa tarefa detecta quando computador activa o protector de ecrã, envia a informação e dá as ordens para que o computador comece a trabalhá-la. Uma vez processada uma unidade de trabalho, o computador envia para Berkeley os resultados, que, até agora, foram sempre os mesmos: "Lamento, mas neste pacote não encontrei nada; mandem-me outro." Em resumo, é como se cada um de nós recebesse milhões de cartas por dia e tivéssemos de abri-las, na esperança de que no interior de uma esteja uma senha para trocar por um telemóvel. Excepto que, neste caso, o prémio seria tornar-nos os primeiros seres humanos a receberem uma mensagem directa do ET.

E o é que o SETI espera dos nossos computadores? Algo muito simples: que actuem como sintonizadores de rádio e escutem os sons que vêm de Arecibo. Se algum deles for suficiente raro, fará disparar um alarme.

E o que é um sinal raro, para os cientistas? As emissões de rádio da Terra, por exemplo, chegam-nos de maneira constante, porque mantemos a posição relativamente á fonte. O mesmo aconteceria se telescópio de Arecibo conseguisse uma estrela, por exemplo. No entanto, quando a SETI@home está a funcionar, o rádiotelescópio aponta fixamente numa direcção, pelo que as emissões procedentes das diversas estrelas entram e saem do seu foco em períodos de cerca de 12 horas.

Se recebesse um sinal artificial compatível com esses períodos, seria muito provável que se tratasse de uma mensagem fabricada por outras inteligências superiores. No entanto, além disso, é preciso que verifiquem outras circunstancias. Por exemplo, é de esperar que a mensagem se concentre numa largura de banda muito reduzida, porque assim é mais fácil fazê-la chegar aos seus possíveis receptores. Por isso, ignoram-se as emissões de banda larga. Contudo, infelizmente, não poderá ser a largura de banda, pelo que é necessário tentar vários valores diferentes e ter esperança de acertar.

Para além disso, é legítimo supor que a mensagem será portadora de alguma informação, pelo que seguramente estará "pontuada", e aparecerá no rádiotelescópio como uma sucessão de ciclos ou pulsações mais ou menos regulares.

Por último, aparece muito improvável que os dois sistemas planetários (o emissor e o receptor, quer dizer, o nosso) se mantenham permanentemente na mesma posição relativa. Sem dúvida, os dois sistemas estarão a aproximar-se ou a afastar-se, pelo o que se espera que a mensagem surja distorcida pelo efeito Doppler, o mesmo que faz com uma sirene da polícia pareça mais aguda quando o carro se aproxima de nós, e mais grave quando ele se afasta.

Com todos estes dados, os cientistas do SETI conceberam o som padrão com que poderá parecer-se uma possível mensagem alienígena. Se o leitor decidir colaborar com o SETI@home e tiver a sorte de o seu computador detectar esse sinal, é muito possível que passe á história da astronomia sem necessidade de mover um dedo. Até porque, ao contrário do que acontecia no filme de Steven Spielberg, não somos nós a ter de telefonar para casa do ET. Com sorte, será ele a ligar-nos, perguntando, esperançoso: "Está aí alguém?"

(c) 2000 A.Sardón, Visão

[Agradeço a colaboração da pirikito na elaboração desta página]